Artigos | Postado no dia: 23 maio, 2025
Alterações no IOF são questionáveis: extrafiscalidade x arrecadação

Fabio Artigas Grillo
O Decreto nº 12.466, publicado em 22 de maio do ano corrente, alterou vários pontos do Decreto nº 6.306/2007, que regulamenta o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF.
As operações de crédito para pessoas físicas, tais como empréstimos e financiamentos, não sofreram alterações.
Por outro lado, no que diz respeito ao crédito para empresas a alíquota anual foi majorada de 1,88% para 3,95%. Na contratação, a alíquota sobe de 0,38% para 0,95%, ou seja, passa de 0,0041% para 0,0082% ao dia. Para as pessoas jurídicas inscritas no Simples Nacional a alíquota foi igualmente majorada de 0,88% para 1,95% ao ano em operações de até R$ 30 mil. Até mesmo os microempreendedores individuais (MEIs) foram atingidos pela medida, passando a pagar 1,95% de IOF ao ano. Nesse ponto, ainda, as cooperativas de crédito com operações superiores a R$ 100 milhões anuais terão alíquota de 3,95% ao ano, sendo que as cooperativas rurais permanecem isentas.
Em relação ao câmbio, as compras internacionais com cartões de crédito, débito, pré-pagos e cheques de viagem tiveram a alíquota unificada em 3,5% em detrimento aos 3,38% antes aplicáveis. A aquisição de moeda estrangeira em espécie e remessas para contas de brasileiros no exterior passaram de 1,1% para 3,5%, assim como os empréstimos externos de curto prazo (de até 364 dias) que estavam isentos desde 2023. Destaque-se, ao mesmo tempo, que outras operações de câmbio não especificadas tiveram a alíquota de saída majorada de 0,38% para 3,5% — a alíquota de entrada segue sendo de 0,38%.
No tocante à previdência privada (Vida Gerador de Benefício Livre – VGBL) o Decreto em comento instituiu uma alíquota de 5% para aportes mensais superiores a R$ 50 mil, mantendo a alíquota zero para aportes em valor inferior ao referido montante.
Destaque-se que, diante da repercussão negativa em determinados setores da atividade econômica e do mercado financeiro, o próprio Poder Executivo federal revogou parcialmente as mencionadas alterações por meio do Decreto nº Decreto nº 12.467/25, mantendo a alíquota zero sobre aplicações de fundos nacionais no exterior, assim como a alíquota de 1,1% sobre remessas ao exterior destinadas a investimentos.
No entanto, a despeito da natureza extrafiscal do IOF, referida alteração normativa promovida pelo Decreto nº 12.466/25 resulta em cristalino intuito arrecadatório por parte do Governo Federal, que necessita de receita para cumprir as metas do “arcabouço fiscal”, evidenciando, desde logo, a sua falta de validade jurídica. Há inegável aumento da carga tributária, com reflexos, pois, no implemento da arrecadação objetivada.
Com efeito, os denominados “impostos regulatórios”, como o próprio nome está a indicar, têm função regulatória de atividades econômicas, isto é, existem como instrumento ordinatório. Não visam simplesmente a arrecadação tributária, função típica de imposto de natureza fiscal.
São impostos regulatórios aqueles previstos no artigo 153, I, II, IV e V, da Constituição Federal de 1988, dentre eles o próprio IOF, além do Imposto de Importação – II, Imposto de Exportação – IE e, também, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
No que refere especificamente ao IOF, a Constituição Federal de 1988 atribuiu à União Federal a competência para a instituição e cobrança de impostos sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”, na forma disposta pelo artigo 153, V.
Nessa matriz constitucional, o IOF tem a sua função ordinatória baseada na fixação da política de câmbio, crédito e seguro, e, da mesma forma, de títulos e valores mobiliários. O seu efeito arrecadatório é mera consequência do exercício da função extrafiscal.
Em outras palavras, o IOF se apresenta como instrumento adequado ao controle e ao exercício do mercado e da política financeira, já que suas alíquotas poderão ser alteradas pelo próprio Poder Executivo, independentemente da edição de nova lei e os eventuais aumentos ou alterações de sua disciplina têm vigência imediata.
Relativamente ao caráter extrafiscal do tributo em questão, é inegável a necessidade de que cada modificação de incidência do IOF apresente natureza interventiva.
Por isso que o IOF, juntamente com os outros três Impostos mencionados, não se submete ao princípio da legalidade tributária no que diz respeito à alteração de alíquotas, nem tampouco ao princípio da anterioridade.
O IOF, juntamente com os demais, tem a missão de regular a economia em seus vários aspectos, a demandar um instrumento normativo célere e eficaz, o que não seria possível alcançar por meio de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, que poderia demandar anos de discussão.
No entanto, isso não quer dizer que o Poder Executivo possa simplesmente majorar a alíquota desses Impostos, para compensar a escassez de recursos para cumprir com o “arcabouço fiscal”.
Ademais, o aumento ou diminuição de impostos regulatórios, dentre estes o IOF, através Decreto do Poder Executivo, exige justificativa específica no plano regulatório da economia, fundado em motivação que se harmonize com a norma do artigo 174 da Constituição Federal, que confere ao Estado a função de agente normativo e regulatório da atividade econômica. Por isso, a Constituição Federal é expressa ao estabelecer que o Poder Executivo pode alterar a alíquota desses quatro impostos “atendidas as condições e limites estabelecidos em lei”.
A mitigação da legalidade no tocante à fixação das alíquotas do IOF, adicionada à exceção da regra da anterioridade, evidenciam a vocação que possui o tributo para servir de instrumento da indução de comportamentos, não meramente como instrumento de arrecadação.
Em última análise, qualquer previsão de incidência que se desvie desse perfil extrafiscal, a exemplo do polêmico Decreto nº 12.466/2025, resulta em flagrante inconstitucionalidade, implicando ruptura do Sistema Constitucional Tributário e viabilizando o seu questionamento pela via do Mandado de Segurança perante o Poder Judiciário.